5 Poetisas Pretas Contemporâneas Que Todos Deveriam Ler

 A poesia brasileira contemporânea segue sendo interessante, profunda e necessária.

Do poema escrito ao verso ritmado do slam, a poesia vai sendo propagada por poetas que entendem sua missão. E a poesia preta é potência em arte. Nesse mar de poesia, destaco hoje 5 artistas pretas que provocam reflexões profundas através de seus versos, usando seus espaços na arte sem esquecer que arte também é defesa de direitos, igualdade, respeito e justiça.


1- Conceição Evaristo.

Mineira, de 78 anos (nascida em 29 de novembro de 1946), escreveu livros como Poemas da Recordação, Ponciá Vicêncio, Becos da Memória, Insubmissas Lágrimas de Mulheres e outros.


Poema de Conceição Evaristo que todos deveriam ler: Da Calma e Do Silêncio 

Quando eu morder

a palavra,

por favor,

não me apressem,

quero mascar,

rasgar entre os dentes,

a pele, os ossos, o tutano

do verbo,

para assim versejar

o âmago das coisas.


Quando meu olhar

se perder no nada,

por favor,

não me despertem,

quero reter,

no adentro da íris,

a menor sombra,

do ínfimo movimento.


Quando meus pés

abrandarem na marcha,

por favor,

não me forcem.

Caminhar para quê?

Deixem-me quedar,

deixem-me quieta,

na aparente inércia.

Nem todo viandante

anda estradas,

há mundos submersos,

que só o silêncio

da poesia penetra.”



2- Roberta Estrela D'alva. 

Paulista, de 47 anos (nascida em 18 de fevereiro de 1978), Roberta Estrela D'alva é uma das mais importantes vozes da poesia contemporânea brasileira, sendo a pioneira do Slam no país, além de também ser apresentadora, atriz, MC, escritora (livro Teatro Hip-Hop: a performance poética do ator-MC), produtora cultural, fundadora da Zona Autônoma da Palavra (ZAP), roteirista, diretora, pesquisadora e curadora do Rio Poetry Slam. Uma voz potente que abre oportunidades para talentos pretos e periféricos. Apresentou programas como o importante e saudoso Manos e Minas.

Poema de Roberta Estrela D'alva que todos deveriam ler: Dura Ação.

Não adianta esmurrar a ponta da faca

Não adianta lutar como um guerreiro de Esparta

E exibir a cicatriz como prêmio da guerra

Ser a pedra que estilhaça o vidro da janela.

O grito, o rosnar, a absoluta beleza

A absoluta razão, a absoluta regra, a absoluta pureza

O mais perfeito entendimento, a precisão, a destreza

O ouvido absoluto, a nota certa, a pureza.

A perfeição vinda de um ser imperfeito é imperfeita

Uma mentira, um arremedo, uma imitação mal feita

E a rigidez, a dureza, toda dedicação para consegui-la

É o mais precioso tempo perdido em tentar contemplá-la.

Mas sou forte, sou viga, sou aço

Assim sei viver, é como me acho

Seguro, controlo, retenho, não vou

É o que reconheço, é o que tenho, o que sou.

Subindo a escada que desce

Desfiando o tecido que tece

Vendo um bebê na criança que cresce

Indo dormir quando o sol aparece.

Ai, que assim me quebro

Ai, que assim me arrebento

Ai, que assim continuo fingindo e pretendendo

Ai, me ensina a ser flor.

Quero ser rio, ser fonte, correr

Fazer sustentável em minha presença a leveza do ser

Quero brincar, florescer, coração

Quero meus pés em contato com o chão.

E se machucar, com um assopro sarar

Sem ver que dá certo, confiar confiar

E rir muito mais e pouquinho chorar

E do lago, pro rio, do rio, pro mar.

Dissolver as duras paredes que construí com músculos, areia e cal

E suavemente tornar maleável a dureza do metal

Retirar das flechas-palavras o veneno letal

Abrir mão do sempre certo, do sempre perfeito, do ideal.

Correr o risco de sentir

Receber em meus braços, acolher, abrir

E quem sabe assim com as armas no chão

Poderei a mim finalmente entregar o perdão.

Poderei a quem devo pedir o perdão

Poderei calmamente aceitar quem eu sou

Quem eu fui, quem virá, e saber pra onde vou”.


3- Ryane Leão

Mato-grossense, de 36 anos (nascida em 1989), é professora, poetisa e autora das obras Tudo Nela Brilha e Queima e Jamais Peço Desculpas Por Me Derramar.

Ryane é uma importante voz na poesia contemporânea e uma das mais influentes no cenário militante anti-racista e pelos direitos das mulheres. O empoderamento feminino é o principal tema de suas obras.

Poema de Ryane que todos deveriam ler:


eu quero saber

das opressões que você se livrou

e de como seu cabelo

anda cada dia mais

selvagem e lindo

quero saber da culpa que

não te habita mais


quero ouvir

tudo que te silenciaram

eu quero que você me conte

a história das suas

cicatrizes”.



4- Djamila Ribeiro.

Paulista, de 44 anos, (nascida em 1 de agosto de 1980), é escritora, acadêmica, poetisa e filósofa, além de um importante nome para o ativismo negro e feminista.

Djamila é autora de obras como Pequeno Manual Anti-racista e Quem Tem Medo do Feminismo Negro?

Djamila também promove palestras de letramento racial.

Poema de Djamila que todos deveriam ler: O Convite.


Oh, nossos mi-mi-mis!

Tu, homem feito, bem nascido

Roupa de marca, mamãe leva pra Disney

Papai empresta o carro

Uísque importado

Branco, tetraneto de italiano,

Raízes honradas no sorvete napolitano

Chupado entre “cazzos”

Tu negas três vezes os crucificados

Que não vês

Como quem nega a eletricidade

Qual choque!

Nós, indicadores encalacrados

Nas tomadas diárias de nossas vivências,

Morremos a conta-gotas

Nossas vidas rotas

Números inúteis dos sensacionalistas

Desligada a TV, ninguém nos vê

Nas sarjetas covídicas do mundo

Eu, preto imundo nas bocas das madames,

Equilibro-me nós andaimes

Entre a ira e a necessidade

Mas não quero cuspir na tua cara

Todos os séculos dessa tara

Dos mimados desbotados

Oh, não, meu amigo!

Quero apenas que siga comigo

Essas linhas da minha existência

Que a tua tão sublime inteligência

Será capaz de compreender

Talvez assim fique claro

O que é ser escuro de fato

E tu te arrependas

De tantas reprimendas

Soprando as chagas de nossas almas

Enquanto outros brancos nos cospem a estupidez de seus traumas”.



5- Raissa Amorim.

Baiana, de 23 anos (nascida em Julho de 2001), autora de Poesias das Águas Internas, Poemas Para Emily, Asas Poéticas, As Tristezas do Eu Lírico, Porre de Poesia, Vida de Emoções, O Respeito Que Merecemos e Vidas Marcadas: Contos de Terror e Suspense. Também é música, resenhista e criadora de conteúdo sáfico.

Usa seu espaço na arte e na internet para promover inclusão, informação e entretenimento. Empoderamento feminino, protagonismo LGBTQIAPN+ e negro são algumas de suas principais pautas.

Poema de Raissa que todos deveriam ler: Tambor Tocado


O tambor tocado

Toca o coração

De todos os presentes,

Como um presente

Divino.


A ancestralidade

Potencializa nossas habilidades

E o 

tambor tocado

Saúda a majestade

Que nós carregamos.


O tambor tocado

Reforça que nenhum fardo

É maior que a potência

Que recebemos daqueles

Aos quais prestamos reverência”.



               Raissa Amorim 

 Poetisa, autora, música, resenhista

Contato: autoraraissaamorim@gmail.com 

Insta: @autora_raiy


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